Filosofia


O erro pelo erro
Publicado no Diário de PE em 2010

Enildo Luiz Gouveia
Uma das questões mais contraditórias no comportamento humano são os juízos de valor. Geralmente baseados em pontos de vista, que por isso são vistas de um ponto, universalizam questões muito particulares ou particularizam questões de abrangência universal. 

Certa vez em uma sala de aula um aluno falou: Ah, eu também vou filar (colar), todo mundo está filando! É comum expressões do tipo: Todo mundo faz, por que eu não vou fazer?

Em época de eleição, como a vivida recentemente, justifica-se o voto em tal candidato corrupto em virtude de outros candidatos procederem do mesmo jeito. Segundo os preceitos da lógica da argumentação, não se pode concluir que uma sentença está correta apenas pela incorreção de outra. Mas o dualismo sempre perdura: Se você não vota nesse, logo vota no outro. Ledo engano!

Nos grupos humanos existe a figura do ‘Maria vai com as outras’. Aquele indivíduo que segue a maioria como uma forma de ser aceito pelo grupo. Infelizmente o ritual de aceitação tem sido expresso geralmente em ações nada tolerantes e nada solidárias. Mas se todo mundo vai eu vou junto.

Tais atitudes nos mostram como é difícil romper com o pensamento dominante, com a dita maioria. Aqueles que ousam correm o risco de serem taxados de pessoas que ‘só querem ser o tal’, o diferente.

É certo que devemos opinar sobre as coisas. Opinião não quer dizer verdade, mas, uma forma de expressar o ponto de vista que ao ser dito, mostra-se aberto à contestação ou ao aplauso.

Dificilmente as pessoas percebem que agem motivadas pelos outros. Isto, contudo, não tira a nossa responsabilidade enquanto seres individuais e pretensamente autônomos. A história nos mostra que às vezes para haver progresso é necessário deixar de se guiar pelos padrões e ideias vigentes. Ousar ser e pensar diferente, mesmo que isto implique em perigo para nós. É assim que o pensamento humano progride: rompendo paradigmas e comportamentos, criando novas maneiras, sempre inacabadas, de viver e ver o mundo.

O erro é algo essencialmente humano. Criamos um arcabouço de valores que nos permite concluir algo como sendo ou estando errado ou não. Daí que, ao atribuir o conceito de errado tem-se a ideia, mesmo que nem sempre clara, do certo. Por que então não fazê-lo?

            Faço minhas as palavras de Chico César “Caminho se conhece andando, mas de vez em quando é bom se perder.”







Intolerância com ateus e agnósticos

Tereza Halliday // Artesã de Textos
terezahalliday@yahoo.com
Diário de PE 08/11/2010

Fizemos alguns progressos no respeito às diferenças - afrodescendentes, gays e lésbicas, portadores de deficiências físicas ganharam espaços protegidos por lei, mas não necessariamente espaço de tolerância nos corações. É preciso ensinar tolerância às crianças desde muito cedo para que esse espaço se alargue.

Um de meus filósofos favoritos, vendedor de coco, dizia: ´o que não aguentamos mesmo, doutora, é a diferença de opinião`. Queremos, narcisisticamente, que o outro seja como nós, principalmente no que pensa e exprime. Porque nos sentimos certos, queremos que o outro abrace a nossa fé e ponto de vista. Com isto, sentimo-nos fortalecidos e enaltecidos em nossa certeza compartilhada. É assim, dra. Janice?

Um dos mais renitentes redutos de intolerância é o preconceito contra ateus e agnósticos. Dá para aceitar que o vizinho frequente outra igreja - mesmo que a ´nossa` seja ´a melhor`. Mas, para muitos, continua repulsivo e inaceitável que alguém não acredite em Deus - como o ateu. Ou duvide da existência de um ser superior - como o agnóstico, para quem Deus é uma hipótese a ser confirmada ou não. Alguns deles, por seu turno, também desdenham da crença dos que têm fé. Crentes e descrentes se estranham por ignorância e falta de empatia.

Marqueteiro político está careca de saber que, não declarar uma religião ou, pior, expressar-se ateisticamente ou agnosticamente, é perder votos na certa.Há eleitores que toleram quase tudo num candidato a cargo público: ser ficha suja, trambiqueiro, usar sua religião para enganar os outros, ser desobediente aos Mandamentos da Lei de Deus e às leis humanas. Mas, se acreditar em Deus, tudo bem - está desculpado de agir como pilantra e salafrário. Já um sujeito de bem que ouse expressar seu ateísmo ou agnosticismo é olhado com desconfiança e repulsa e considerado indigno de voto.

Uma pessoa que crê profundamente em Deus e teve alguma formação religiosa deve ter certeza de que todos nascem com a centelha divina e que um ateupode se afastar de Deus, mas Deus não se afasta dele. Duro de aceitar, não é? Além disso, esse Criador no qual o intolerante de profunda fé acredita, deu-nos uma coisa chamada Livre Arbítrio, fundamento das leis humanas garantindo liberdade de crença e de opinião. Então para que tanta implicância com ateus e agnósticos? É tão insuportável assim que eles também sejam filhos de Deus como você e, portanto, seus irmãos?

Está faltando uma boa dose de ´espírito cristão` no trato com ateus e agnósticos. Muitos batizados são carentes de espírito cristão - a compassividade, a postura do não julgar. Um coração aberto deveria brotar naturalmente de um coração religioso.Todos os nascidos neste mundo recebemos a mesma dádiva dos dias e das noites e herdamos juntos nossoplaneta. É pelos intolerantes com as diferenças que precisamos rezar: ´Perdoai-lhes porque não sabem o que fazem`.